sábado, novembro 18, 2006

Acordei a pensar num concerto de Jazz que vi ontem. Ía comendo e pensando na variação harmónica de algumas coisas que ouvi. Se alguma vez na vida me lembraria de criar coisas assim.
Dei por mim com vontade de remexer no meu passado, que é coisa que confesso, não ter grande fascínio.
Estava à procura de umas partituras antigas quando encontrei um pseudo-poema escrito por mim. Um poema que com certeza gostava de ter visto ser entregue ao destinatário. Na altura não o fiz e agora, para além de não me lembrar a quem se dirigia, tinha um papel exposto ao desgaste do tempo sem ser lido.
Uma vez que continuo sem saber quem tu és, tu, a segunda pessoa do singular, fica aqui o registo no caso de o vires a ler um dia não sabendo que era para ti, e eu sem saber que o vieste ler aqui, a este circunspecto cantinho.
És todos os dias
Um prospecto silêncio
Roubo-te-nos exímio no lado do Deserto
Aqui não há nada
Nada se cria
Nada cresce
Não há plantas nem flores
Tudo cheira ausente
Há muito
Do vazio vazio inconsequente
Não há poesia
Não há talento nem tempo
Cego
Seco
Quente
( )

sexta-feira, novembro 03, 2006

Devem haver milhões de textos a exprimir a sensação de não ter nada para dizer, e de ainda assim, continuamos com a sensação de que algo deve ser dito. Principalmente depois de Beckett, incontornável no que diz respeito a este assunto.
Não ter nada para dizer equivale a não ter rigorosamente nada para dizer, ou, a ter muita coisa dentro de si para ser dita. O fantasma eminente da folha em branco por preencher é uma constante por sabermos que atrás de nós há uma história. Que actua como uma raiz repleta de grandes temas, de grandes obras sobre temas grandiosos, cujo escape, para um jovem escritor, poderá ser sob a orientação de Rilke, a escrita sobre as pequenas coisas, também elas detentoras de poesia em potência, tão grandiosa como o amor, a guerra, ou outro grande tema. Faz sentido, uma vez que está em nós a capacidade de captar e transmitir a poesia que emana das coisas.
Em consequência, o facto de não ter nada para dizer abre uma espécie de suspensão no tempo e no corpo, para que algo venha a ser dito mais tarde. Esta suspensão parece-me essencial para que possamos encontrar o equilíbrio necessário para escrever, para esboçar em palavras a vida de um raciocínio e a lógica de vida que se deixa pousar ao detalhe do registo.
Não ter nada para dizer é uma dobra no discurso que ainda vai ser dito, ou que já está a ser dito enquanto não temos nada para dizer, porque acompanha a forma de estar do corpo, em permanente comunicação, mesmo que parado sem estar aparentemente a fazer nada.
As palavras acabam por beneficiar da fluência do discurso, uma vez que fazer nada, é estar a fazer alguma coisa, que é fazer nada. Não ter nada para dizer, acaba por ser uma forma de dizer qualquer coisa que ainda não encontrou forma para ser dita. Que partilha um silêncio que faz ponte entre dois blocos de som. Um silêncio que só faz sentido por se incluir numa estrutura composta por aquilo a que chamamos som.
Parece-me que a vontade de não ter nada para dizer é sintoma, muitas vezes, de algo que está a ser cogitado para que se possa transmitir com maior transparência.
Tal como Beckett não temos nada para dizer uns aos outros, mas acabamos sempre a falar e a não fechar a boca. Porque temos de falar. Porque temos a necessidade de afirmar, ou perguntar algo que estamos a sentir, ao ponto de se tornar quase uma obrigação, questionável, mas uma obrigação para connosco, de esclarecer e de sermos esclarecidos.
Esta é, sem dúvida, uma estranha forma de comunicação.